FALANDO DE CRISE NA JUSTIÇA
Os sinais são evidentes, o sistema judicial português está em crise.
A crise paira sobre a justiça portuguesa, o alvoroço não é aparente e é comprovado pelas queixas da população e inflamadas opiniões dos críticos. A preocupação é crescente e bem patenteada nas reformas em curso pelo Executivo e ainda há poucos dias foi a vez do movimento “Compromisso Portugal” alertar para a situação caótica vivida no seio deste meio.
“Compromisso Portugal” – o estado de uma nação
Durante a conferência dedicada ao tema na II convenção do Beato há escassas semanas, o Dr. Luis Cortes Martins e o Dr. João Vieira de Almeida ilustraram de forma clarividente os vícios de que padece a justiça em Portugal. Acompanhados de quadros estatísticos, os ilustres oradores concluíram que o nosso país tem registado um aumento exponencial de entrada de processos nos tribunais (dos valores mais elevados da Europa), agravado pelo facto de estes durarem excessivamente e, por conseguinte, resultam no aumento de processos pendentes. O panorama ainda consegue piorar quando se verifica que 40% dos processos de cobrança de dívida não têm eficácia prática, gerando uma convicção generalizada de descrédito do sistema judicial português.
As consequências sociais são manifestas, porquanto o descrédito da justiça origina um clima de desconfiança imprópria para o investimento empresarial decorrente da crescente desvalorização do cumprimento das obrigações[1].
Neste sentido, os mencionados advogados analisaram a génese dos problemas e receitaram diversos remédios para a cura desta doença que enferma o Estado português.
Formas alternativas de resolução de conflitos
Entre outras medidas propostas, optámos por explicar no que consistem as formas alternativas de resolução de conflitos como meio de descongestionamento dos tribunais nacionais.
Os tribunais são órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, sendo para tal dotados de jus imperii (poderes de autoridade), o que lhes permite executar as decisões por si proferidas. Facilmente se percebe que a generalidade das pessoas recorra a estes órgãos para a resolução dos problemas do quotidiano, como, por exemplo, o não pagamento de uma obrigação.
Acontece, porém, que nem sempre essas dívidas (as de baixo valor) justificam o recurso aos tribunais estatais pelas razões supracitadas, que tornam o processo ineficiente do ponto de vista económico.
No entanto, na perspectiva do cidadão comum esta solução é a que lhe oferece maior segurança, pois o litígio é sempre resolvido sob a chancela do Estado.
É com base nestas premissas que se pretende demonstrar que há outras formas de resolução destes conflitos, menos morosas, menos custosas e podendo ser igualmente eficazes. Analisaremos duas: mediação e arbitragem.
Mediação
Mediation (or conciliation) is the non-binding intervention by a neutral third party who helps the disputants negotiate an agreement.
A mediação é uma forma de resolução de litígios alternativa ao recurso aos órgãos estatais, sendo prática comum no Direito Laboral e existindo agora um projecto de mediação penal, que encerra algumas questões ao nível de Direitos, Liberdades e Garantias do arguido, que abordaremos, brevemente, infra.
Vantagens:
-Favorecimento da autonomia da vontade das partes
-Processo flexível ajustado à conveniência e aos interesses das partes
-Crescente clima de confiança fruto do diálogo entre as partes
-Celeridade na decisão
-Redução de custos
-Confidencialidade
Contudo, não há bela sem senão, e o grande obstáculo a esta forma de resolução de litígios resulta da grande necessidade de cooperação entre as partes, sob pena do tempo dispendido a dialogar com a contraparte ser inútil, uma vez que este método não conduz a uma decisão vinculativa, entenda-se, não emitente de título executivo.
Com esta explicação já é possível compreender as ferozes criticas lançadas ao projecto de mediação penal, mesmo considerando que o seu objecto é circunscrito ao julgamento de um grupo restrito de crimes. Apesar de tudo, não nos podemos esquecer de que o poder punitivo é um poder do Estado e que o crime, por pouco grave que seja, é um acto que não deixa de ser censurável em termos sociais.
Por muito viável que esta solução possa ser, em termos práticos, será que a “transferência” do “jus puniendi” para as mãos dos particulares está em consonância com os princípios gerais do ordenamento jurídico português? Será congruente pensar uma situação em que um criminoso negoceia a respectiva pena com o ofendido (potencialmente lesado) sob a supervisão de um terceiro desinteressado? Muitas outras perguntas (críticas) poderiam ser colocadas, mas as respostas não deixariam de ser, no mínimo, dúbias, de um ponto de vista teórico.
Importa também referenciar os Julgados de Paz[2] enquanto centros de mediação institucionalizada em Portugal, podendo haver, obviamente, mediações ad-hoc.
Arbitragem
Arbitration is a legal technique for the resolution of disputes outside the courts, wherein the parties to a dispute refer it to one or more persons (the "arbitrators" or "arbitral tribunal"), by whose decision (the "award") they agree to be bound.
Funciona de forma análoga à de um tribunal estatal, mas com algumas especifidades decorrentes da sua natureza privatística.
A arbitragem é uma forma célere, confidencial e eficaz de resolver determinados conflitos, sendo fundamental num mundo global em que a informação percorre a Terra em meras fracções de segundo, viabilizando excelentes negócios, mas também criando certos conflitos que carecem de resposta pronta, de maneira a evitar prejuízos para as partes envolvidas.
Podemos distinguir entre arbitragem necessária, quando obrigatoriamente prevista na lei, e arbitragem voluntária, quando ao abrigo da vontade das partes, estas preferem solucionar o seu diferendo á luz de um tribunal privado (vide nº2, do art. 209º da Constituição). Esta última é regulada pela lei nº31/86, de 29 de Agosto (LAV).
No âmbito da arbitragem voluntária importa referir que só litígios que não estejam exclusivamente submetidos, por lei especial, a tribunais judiciais e a arbitragens necessárias e que não respeitem a direitos indisponíveis podem ser decididos por árbitros (art.1º/1 LAV), também de destacar a possibilidade do julgamento se realizar segundo a equidade (22º LAV). Cabe às partes a escolha do número de árbitros (têm de ser sempre em número impar) sendo composto por três no silêncio dos assinantes da convenção de arbitragem (6º LAV).
Importa, também, salientar um aspecto nuclear deste diploma, que consiste na equiparação da decisão de tribunal arbitral a sentença de 1º instância, tendo aquela, igualmente, força executiva (26º/2 LAV), podendo ser definitiva se as partes tiverem acordado quanto à renúncia aos recursos (29º LAV), ao abrigo da autonomia privada.
Vantagens da arbitragem voluntária:
-Árbitros – São árbitros que decidem a causa e não juízes, especializados em Direito, o que significa que estando em cima da mesa uma questão de engenharia, um ou mais árbitros podem ser engenheiros.
-Celeridade, pois os árbitros não só estão afectos, exclusivamente, àquela causa, como também são, na maioria dos casos experts na matéria
-Custos, apesar dos custos de uma arbitragem serem avultados, podem acabar por ser compensatórios pois resolvem-se em menos tempo que um processo equivalente nos tribunais estatais (menos custos com representantes legais, etc…)
-Flexibilidade – das partes em acertar a estrutura da arbitragem, designar a lei aplicável, escolha do número de juízes, designação de juízes, etc…
-Descongestionamento dos tribunais do Estado
-Confidencialidade
-Possibilidade de recurso à equidade
-Decisão arbitral executável
No entanto, a arbitragem tem uma grande desvantagem para além da potencial morosidade do processo que se consubstancia num acréscimo de custos, os tribunais arbitrais, contrariamente aos tribunais estatais não têm o já referido jus imperii, o que se traduz numa deficiência genética difícil de tornear, acabando por ter de se recorrer, ironicamente, aos tribunais do Estado.
Imagine-se a situação de uma testemunha chamada a depor que não aparece, ou quando não há consenso quanto à nomeação dos árbitros, ou mesmo quando se quer executar a decisão arbitral…
Com efeito, os tribunais arbitrais não estão numa relação hierarquia face às partes, pois têm uma natureza privada e destituídos dos poderes conferidos às autoridades públicas, nesse sentido é preciso recorrer aos tribunais judiciais para que uma testemunha se apresente perante esse tribunal, preste declarações e estas sejam remetidas para o tribunal arbitral. No caso da nomeação do árbitro é competente a Relação do lugar fixado para a arbitragem (12º/1 LAV), cabe também aos tribunais judiciais o processo executivo concernente à decisão arbitral.
Finale
Face ao exposto percebe-se que é fundamental criar mecanismos que promovam a simplificação e eficiência da algazarra que reina no sistema judicial português, várias medidas foram propugnadas pelos distintos advogados, abordámos, sucintamente, apenas uma delas, alternativas à litigância nos tribunais do Estado. Soluções esta, não isentas de críticas e não desprovida de defeitos, mas não há soluções perfeitas, há soluções melhores e piores, não se pode é deixar eternizar a agonizante situação actual.
[1] Cfr. http://www.compromissoportugal.pt
[2] Cfr. Lei 78/2001, de 13 de Julho
RFN